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esde os primórdios da humanidade os povos de todo o mundo se beneficiam do mel, da cera e das abelhas de modo geral. Nesta seção, trataremos principalmente da evolução das abelhas como espécie e da evolução da apicultura como prática.

Algumas pesquisas mostram que as abelhas sociais já faziam e estocavam mel há quase 20 milhões de anos, bem mais do que os seres humanos estão aqui na terra. O fóssil de abelha mais antigo já encontrado data de 100 milhões de anos e foi encontrado em Burma, no sudeste asiático, completamente preservado em âmbar (foto). No fossil, foram encontrados também, diversos grãos de pólen.

Acredita-se que a origem das abelhas tenha contribuído para a rápida diversificação das angiospermas – plantas com flores – do início até a metade do período conhecido como Cretáceo (de 145 a 65 milhões de anos atrás). Assim, podemos afirmar seguramente, que as abelhas estão intimamente ligadas ao equilíbrio da vida em nosso planeta.

Já na pré-história, as pessoas se utilizavam do mel, mas ainda não existia a noção de apicultura.

A coleta era feita de maneira arriscada e violenta, atacando e saqueando as colônias selvagens em cavernas e ocos de árvore. Ainda hoje em dia, alguns povos autóctones ainda se utilizam de métodos semelhantes para a retirada do mel. Chamamos essa prática de “Caça ao Mel”. Na imagem à esquerda, podemos ver uma pintura rupestre encontrada na Espanha que representa pessoas utilizando escadas de cordas para alcançar a colônia e assim, retirar o mel. Ali, pode-se notar grande semelhança com a imagem da direita, fotografada recentemente no Nepal.

Por muito tempo as abelhas foram consideradas animais sagrados e seus hábitos e ciclo de vida permaneceu um mistério até a modernidade.

The honey is stored in the bulging part of the nest, attached to the rock. To collect it, the Perengge must position the bamboo basket by maneuvering another pole held at arm’s length, underneath the part he is preparing to cut away with the other pole. 
From the top of the cliff, two men adjust the tension of the rope supporting the basket, guided solely by orders yelled out by Bolo Kesher’s son, who is stationed further off to have an overall view of the site. It is a coordinated effort that is accomplished blindly and on which the harvest’s success heavily depends.

Graças às propriedades medicinais do mel e da própolis, bem como aos inúmeros usos para a cera, atribuições mágicas e divinas eram muito comuns. As abelhas eram vistas como símbolos de prosperidade e riqueza e sua organização social chamava muita atenção, sendo muitas vezes, comparadas as grandes cidade organizadas.

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noção de apicultura surgiu no Egito antigo, há aproximadamente 4.400 anos, quando descobriram que era possível induzir as abelhas a instalar suas colônias em recipientes de cerâmica feitos especificamente para esse fim. Ainda que muito mais prático e seguro para as pessoas, ainda era uma prática predatória, pois normalmente acabavam com as colônias ao retirar o mel e a cera para uso humano, por falta de técnicas adequadas. Na imagem ao lado, podemos ver a representação de apicultores egípcios efetuando essa retirada dos potes cerâmicos e

armazenando o mel em potes lacrados. Foi somente na na antiguidade clássica, que surgiram as palavras apicultura e colmeia, para designar a atividade de criar (e explorar os produtos) das abelhas e o local onde vivem nesse sistema. De fato, pelo nome dado, percebemos a noção de um cultivo organizado de abelhas (do latim, appis = abelha + cultus = cultivo).

Nesta época, os apicultores utilizavam recipientes em forma de sino, feitos de palha trançada, para abrigar os enxames. Esses trançados feitos de palha foram chamados pelos antigos de “Colmo” (do latim, Culmus = haste vegetal, talo, palha), numa alusão ao mateiral de que eram feitos e de onde deriva a palavra “Colmeia”, que ainda utilizamos atualmente. A Foto ao lado traz um colmo exposto no Museu do Mel. No topo dessa postagem, abrindo a sessão de slides, temos um desenho de Peter Brueguel, importante artista do Renascimento fora da Italia, que retrata apicultores medievais utlilizando colmeias de palha e rudimentares roupas de proteção feitas, também, com palha trançada e algodão. As outras ilustrações no slide também remontam

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às praticas da apicultura medieval. Nessas colmeias, para colheita do mel, o apicultor jogava fumaça na entrada da caixa, fazendo com que todas as abelhas fossem para o fundo, inclusive a rainha (que eles acreditavam ser um Rei), depois retirava somente os favos da frente, deixando uma reserva para as abelhas.

Em Portugal, essas colmeias foram substituídas em larga escala pelos cortiços, estruturas feitas com a casca da corticeira que abriga os enxames. Ainda com os favos fixos, a estrutura em cortiça permite que os apicultores recolham o mel excedente com mínimo dano às células de cria, pois possuem o fundo aberto de modo que os apicultores cortem as pontas dos favos para colheita do mel.

Ainda hoje, é possível encontrar criações de abelhas com este tipo de colmeia em Portugal. É graças a esse tipo de colmeia, que moradias de baixa renda, com muitas famílias sob um mesmo teto, são chamadas comumente de cortiços. Acima, alguns exemplos de cortiços ainda em uso.

Com o intuito de racionalizar cada vez mais o manejo com as abelhas, muitas pesquisas foram feitas, desde Aristóteles até hoje – de fato, as abelhas ainda são os animais mais estudados em todo o mundo!

Surgiu, então, a ideia de se trabalhar com recipientes sobrepostos, em que o apicultor teria que remover a parte superior, deixando uma reserva para as abelhas na caixa inferior. Embora resolvesse a questão da colheita do mel, o produtor não tinha acesso à área de cria, o que muitas vezes acabava por exterminar ou afugentar o enxame.

Para resolver essa questão, os produtores começaram a colocar barras horizontais no topo dos recipientes, separadas por uma distância igual à distância dos favos construídos. Assim, as abelhas construíam os favos nessas barras, facilitando a inspeção, entretanto, as laterais dos

favos ainda ficavam presas às paredes da colmeia. No modelo proposto por Francis Huber entre 1792 e 1814 (acima), cada favo era preso pelas laterais e manuseados como páginas em um livro.

Em 1851, o Reverendo Lorenzo Lorraine Langstroth verificou que as abelhas depositavam própolis em qualquer espaço inferior a 4,7 mm e construíam favos em espaços superiores a 9,5 mm. Langstroth chamou a medida entre esses dois espaços de “espaço abelha”, que é o menor espaço livre existente no interior da colmeia por onde podem passar duas abelhas ao mesmo tempo. Consiste em permitir que a abelha trabalhe dos dois lados do favo. Tal caixa se tornou o modelo padrão da apicultura moderna e é utilizada nos dias de hoje em todo o mundo (abaixo).

Essa descoberta simples foi uma das chaves para o desenvolvimento da apicultura racional. Inspirado no modelo de colmeia usado por Francis Huber, Langstroth resolveu estender as barras superiores já usadas e fechar o quadro nas laterais e abaixo, mantendo sempre o espaço abelha entre cada peça da caixa, criando, assim, os quadros móveis que poderiam ser retirados das colmeias pelo topo e movidos lateralmente dentro da caixa. A colmeia de quadros móveis permitiu a criação racional de abelhas, favorecendo o avanço tecnológico da atividade como conhecemos hoje.

Graças a essa inovação simples, podemos manusear apenas os quadros desejados, não afetando as crias ou a rainha. Além disso, o uso dos quadros móveis permitiu a reutilização dos favos, o que representa menor perda de energia por parte das abelhas na produção de cera e na confecção das células. Essa energia poupada se converte em maior produção de mel, já que para cada quilo de cera, as operárias consomem em média, 5kg de mel.

No Brasil, temos como marco inicial da apicultura o ano de 1839, quando o padre Antônio Carneiro introduziu o cultivo de abelhas européias para produção de cera, utilizada na confecção de velas, para uso em ritos

cristãos. No entanto, foi em 1967 que a apicultura brasileira se distinguiu frente ao mundo, quando o geneticista e professor Dr. Warwick Estevam Kerr foi convidado pelo governo brasileiro a intervir frente a baixa produtividade melífera do país na década de 1950. Seus estudos pretendiam efetuar um melhoramento genético das abelhas já introduzidas no Brasil pela hibridização controlada com abelhas de origem africana.

Antes da importação, ao fazer um minucioso levantamento bibliográfico da literatura disponível sobre raças e produção de abelhas da África, o Prof. Kerr tomou conhecimento que as abelhas africanas Apis mellifera scutellata (ao lado) eram altamente produtivas. Constatou também que elas apresentavam características positivas e negativas, destacando-se como positivas a alta produtividade das abelhas, resistência e sua alta capacidade de adaptação.  As características negativas são alta agressividade e grande tendência de enxamear, abandonando suas colmeias.

Portanto, mesmo antes de importar as abelhas africanas o Prof. Kerr tinha um plano de fazer um melhoramento genético, eliminando ou reduzindo por  seleção, as características negativas das abelhas importadas e distribuir posteriormente aos apicultores, rainhas já selecionadas e melhoradas geneticamente. Infelizmente houve o imprevisto na retirada das telas excluidoras das colmeias ainda em

quarentena e o Prof. Kerr foi surpreendido pelas enxameações que se seguiram e a conseqüente africanização dos apiários antes da realização do programa de melhoramento pretendido.

Como consequência, hoje, temos em todo o território nacional uma abelha poli-híbrida africanizada, resultante do acasalamento natural das abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) com as demais abelhas melíferas também importadas anteriormente, as alemãs (Apis mellifera mellifera, acima,) as italianas (Apis mellifera ligustica, no centro,)  e as carníolas (Apis mellifera carnica, abaixo).

Graças a boa produtividade e alta capacidade de adaptação das abelhas africanizadas, bem como sua alta resistência a doenças de crias e resistência ao ácaro Varroa Destructor, que assola a europa e os EUA, hoje, o Brasil é conhecido internacionalmente como produtor e exportador de excelente mel orgânico, além de própolis, cera e geléia real.

Nos dias de hoje, com o panorama histórico e científico de que dispomos, mais do que nunca, percebemos a fundamental importância das abelhas para a manutenção do equilíbrio ambiental, uma vez que sejam elas as responsáveis diretas pela polinização de muitas das

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espécies vegetais. Enquanto outros agentes polinizadores, como outros insetos, pequenos mamíferos e até o vento, contribuem juntos com cerca de 20% das espécies, os mais de 2.000 tipos de abelhas catalogadas contribuem com as outras 80% das plantas com flores.

Sem abelhas, a maior parte das frutas e verduras que consumimos diariamente simplesmente desapareceria. Isso explica por que o desaparecimento das abelhas é um fenômeno que preocupa apicultores, cientistas e ambientalistas no mundo todo. O Distúrbio do Colapso das Colônias (DCC), como foi chamado, ainda é um mistério, mas algumas das causas apontadas como suas principais responsáveis são o uso indiscriminado de agrotóxicos e outros insumos químicos para as lavouras e o fortalecimento de parasitas nocivos à colméia, conseqüências do desequilíbrio ecológico. Cabe a nós tentar minimizar o impacto ambiental de nossas cidades e nosso modo de produção, a fim de reverter o dano ecológico já imputado e assim, garantir a sobrevivência

das abelhas e toda a corrente biológica associada a elas, na qual representamos um elo final. Faça sua parte e divulgue, seja também um Amigo da Terra!

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